quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Prêmios e Festivais

Festival de Brasília do Cinema Brasileiro - 2008

Prêmios de melhor Melhor Direção: Geraldo Sarno
Melhor Roteiro: Geraldo Sarno e Werner Salles

Seleção Oficial do 24 Festival Internacional de Cine en Guadalajara - Março de 2009

Matérias na imprensa (Press Book)

Blog do Bonequinho do Jornal O Globo



Jornal O Tempo

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Estréia no FESTIVAL DE BRASÍLIA dia 24 de novembro de 2008.
Para mais informações, fotos, filmografia do diretor e ficha técnica clique aqui.

Esboço biográfico do General Abreu e Lima

Filho de família nobre e abastada de Pernambuco, diplomado capitão de artilharia pela Academia Real Militar, no Rio de Janeiro, está detido no forte de São Pedro, em Salvador, Bahia, quando é obrigado a assistir à morte do pai, o Padre Roma, condenado por haver participado da Revolução Pernambucana de 1817. Com a ajuda da maçonaria, foge do Brasil, passa pelos Estados Unidos e Caribe, e alista-se como capitão no exército do Libertador Simón Bolívar. Aí permanece de 1819 a 1831.

Com a morte de Bolívar retorna ao Brasil e desenvolve uma carreira de escritor e publicista, que já exercitara na Gran Colômbia. Apóia a tese de uma monarquia constitucionalista, por entender que seria a maneira de manter a integridade geográfica e a unidade política do país. Já em Recife, será um dos ideólogos da Revolução Praieira (1848 - 1852), pelas páginas do Diário Novo e de A Arca de São Pedro. Com o esmagamento da Revolução é mais uma vez preso e conduzido à ilha de Fernando de Noronha. Falece em 1869 e, por haver polemizado com a Igreja Católica sobre liberdade religiosa e direito de publicação de bíblias protestantes, o Bispo Francisco Cardozo Ayres, lhe é negada sepultura no cemitério público e é enterrado no cemitério dos ingleses.

Para mais informações procure o livro "Abreu e Lima, General de Bolívar" do Prof. Vamireh Chacon, editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1983 ou Companhia Editora de Pernambuco, 2007

Produção intelectual do General Abreu e Lima

O General José Ignácio de Abreu e Lima participou do Correo del Orinoco, em Angostura, hoje Cidade Bolívar; publicou, em Cartagena de Gran Colombia, 1830, o periódico La Torre de Babel, com a epígrafe auto-irônica ``Cada loco con su tema´´, em que ataca com firmeza os inimigos do Libertador; escreve, a pedido de Simón Bolívar, en 1829, Resumen histórico de la última dictadura del Libertador Simón Bolívar comprobada con documentos; já no Brasil publica, en 1835, Bosquejo Histórico, Político e Literário do Brasil; em 1842, Compêndio da História do Brasil desde o seu descobrimento até o majestoso ato da coroação do Sr. D. Pedro II; em 1845, Sinopse ou dedução cronológica dos fatos mais notáveis da história do Brasil; em 1847, História Universal - desde os tempos mais remotos até os nossos dias, relatando os acontecimentos mais notáveis em todas as épocas e os feitos mais célebres de todos os povos por um Brasileiro; em 1849, A Cartilha do Povo; em 1855, O Socialismo; em 1857, A Ilha de Fernando de Noronha; em 1867, O Deus dos judeus e o Deus dos cristãos e As Bíblias falsificadas ou duas respostas a Joaquim Pinto Campos; e, em 20 e 21 de

Feitos militares do General Abreu e Lima

O General José Ignácio de Abreu e Lima, na Campanha do Apure (1919), participou das batalhas de Gámeza (11 de julho), de Pantano de Vargas (25 de julio), de Boyacá (7 de agosto); participou também da Batalha de Carabobo (24 de junho de 1821), quando foi ferido no peito, da tomada de Maracaibo (1823), Puerto Cabello (1823), e Portete de Tarqui (27 de fevereiro de 1829) ao lado de Sucre. Acompanhou Bolívar a Santa Marta, assumiu o Estado Maior em Magdalena e derrotou os rebeldes no Rio Hacha.

Trecho da carta do General Abreu e Lima ao General Páez, 18 de setembro de 1868

Então eu não tinha pátria e fiz da Colômbia a minha pátria. Creia V., General, que conservo todas as minhas patentes de Colômbia, todas as minhas condecorações – que me desvaneço de ter sido General na velha república de Colômbia. Tenho orgulho de chamar-me um dos libertadores de
Venezuela e dos da Nova Granada, e em usar das minhas veneras. Faço garbo das minhas cruzes de Boyacá e de Porto Cabello, e do meu nobre escudo de Carabobo. Tenho e conservo o busto de ouro do Libertador, que ele mesmo me deu como um diploma muito honroso.



A interpretação do sonho

por José Carlos Avellar

De certo modo, a radicalização de um comportamento muitas vezes encontrado no documentário brasileiro, onde, com freqüência, em lugar de uma exposição cinematográfica dos resultados de uma investigação feita antes da filmagem e apoiada em instrumentos não necessariamente (ou pelo menos não exclusivamente) cinematográficos, temos na tela um filme que se constitui como um processo de investigação. Como de hábito nos documentários brasileiros, um pouco mais do que de hábito, Tudo isto me parece um sonho convida o espectador a participar da busca, a se incorporar à equipe do filme, a se integrar à investigação.

De certo modo, a extensão de uma prática que o 16 mm tornou possível e o digital uma possibilidade aberta a um maior número de realizadores: em lugar ou além de um roteiro, um filme-roteiro; fazer um filme para pensar/preparar o filme que se quer fazer. Como o Sopralluoghi in Palestina (1963) em que Pier Paolo Pasolini estudou as locações e os enquadramentos de Il vangelo secondo Matteo (1964). Como Appunti per un film sull’India (1968) e Appunti per un’ Orestiade Africana (1975) onde Pasolini pensa dois filmes que não pode realizar. Como o Scénario de Sauve qui peut (la vie) (1979) e Scénario du film Passion, anotações filmadas por Jean-Luc Godard. Como Câncer (1968) em que Glauber estudou planos de longa duração para a filmagem de O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969). Como Searching on the road que Walter Salles faz agora como parte do roteiro para a próxima adaptação do livro de Jack Kerouak On the road. De um certo modo, como os exemplos citados aqui, Todo esto me parece un sueño passa na tela como um filme-roteiro.

Parte de tudo isso já se encontra esboçada num projeto realizado em 1976, Iaô, que originalmente previa uma segunda equipe para documentar o trabalho de documentação da primeira e permitir a discussão simultânea da questão filmada e do modo de filmá-la. E esboçada também num breve ensaio sobre o que de verdade se documenta num documentário: Quatro notas e um depoimento sobre o documentário, escrito em 1978. Não porque registra um fragmento da vida tal como ele é (ou, como falamos do ponto de vista do cinema: assim como ela aparece aos olhos) um documentário é um documentário. Um filme é um documentário porque na imagem o espectador percebe primeiro (conscientemente ou não) o modo de ver do realizador. Um documentário é um processo de construção de uma imagem cinematográfica em que o homem com a câmera revela seu modo de ver e sentir o mundo. E nele, embora tudo pareça vivo verdade, reprodução fiel da aparência primeira das pessoas e coisas em movimento, o que de fato importa é a ordem que comanda o desenho desses fragmentos que parecem vivos e a relação que se estabelece entre eles. Tal ordem que não reproduz nem espelha o pedaço de realidade que observa, mas deforma, reforma, transforma, transporta a realidade para a realidade/outra do cinema. Ou seja, como sublinha o ensaio, o que um documentário realmente documenta é a maneira de documentar do realizador: “Essa maneira de documentar (supondo-se que ela pudesse ser configurada num corpo orgânico de regras e princípios filosóficos, estéticos, etc.) estaria determinada por questões de produção, por situações de ordem técnica e por limitações que decorrem de meu maior ou menor domínio dos meios de realização, como minha maior ou menor experiência etc. Quer dizer, entre o originalmente imaginado - a minha maneira de conceber um tema - e a forma definitiva que ele assume na obra acabada há uma distância a percorrer durante a qual o projeto inicial sofre modificações. E a questão ainda se complica quando verifico que o objeto a ser documentado, o outro, o mundo, é vivo, reage e é seguramente mais rico e complexo que o previamente imaginado. A minha afirmação inicial, a de que o documentário realmente documenta com veracidade é a minha maneira de documentar, estará talvez mais correta se também concebo como maneira de documentar a minha peculiar maneira de reagir às situações e questões concretas que surgem durante a realização. A pratica quase sempre me força a agir assim.
Mas nem sempre estamos preparados para rejeitar a dualidade sujeito/objeto, para transformar
todas as etapas de realização de um filme documentário em etapas realmente criadoras, liberando a subjetividade e assimilando a invasão inesperada do real. Quando isto ocorre, antes mesmo que o espectador, o primeiro resultado quem o colhe sou eu mesmo com a ampliação de meu espaço interior imagístico”.

Deste modo, o título do filme, aqui, não apenas se refere ao tema, a Abreu e Lima, nem apenas toma
por empréstimo uma frase dele. O título traduz a sensação que toma conta do realizador diante dos fragmentos da realidade que na projeção passam com a força de coisa viva de verdade: tudo isso me parece um sonho.

Sonho, não como uma fuga da realidade mas como uma interpretação da realidade.

Sonho cinematográfico, sonho assim como todo sonho é percebido pelo sonhador – seja o sonho que cada um projeta para si mesmo ou o que no cinema se projeta para ser sonhado por outro.

Sonho assim como percebido no instante em que é sonhado: imagem viva, real, embora sem dúvida sonho com tudo aquilo que um sonho tem de imagem que mais critica que espelha a realidade - assim é um documentário.

Assim é especialmente este aqui, porque desde seu ponto de partida (como fazer um filme sobre um personagem de quem não se tem nenhuma imagem visual?) deixa a descoberto que seu assunto é tanto seu personagem quanto a realização de um filme documentário sobre tal personagem. Mais exatamente, só na medida em que percebe o filme enquanto documento sobre um filme é que o espectador pode corretamente receber o que este documentário documenta.

Assim, para falar de Abreu e Lima simultaneamente falar de cinema: trazer em fusão sobre a história que se conta os procedimentos usados para contá-la: uma segunda câmera filma a primeira que filma os depoimentos; uma entrevista conta quem foi Abreu e Lima, a seguinte como avança o processo de trabalho - parte da equipe entrevista a outra parte ou entrevista o realizador, então dentro da imagem já não mais como quem dirige o filme e sim quase como fosse dirigido por ele.

Documentação dupla, mesmo quando não se trata de informar ao mesmo tempo o tema do filme e o modo de abordá-lo. Enquanto entrevista um personagem e toma um cafezinho com ele no balcão de um bar num mercado de Caracas a câmera passeia pelo mercado e, ouvidos atentos à conversa no balcão, desvia a vista para o que se passa em volta, nos outros balcões e lojas. Enquanto passeia nas ruas de Recife onde Abreu e Lima viveu, sem desviar olhos e ouvidos do entrevistado que conta o que ocorreu outrora, a câmera apreende também - presente e passado em fusão numa mesma imagem - o que ocorre agora, no exato instante da filmagem.

É deste modo que o filme realiza sua proposta inicial de tornar visível num filme uma história e um personagem de quem não temos nenhuma (ou quase nenhuma) imagem. E, como o próprio filme sugere nas conversas sobre seu processo de construção, a solução do problema veio de modo inconsciente, foi intuída pouco a pouco, passo a passo, a partir de uma única decisão tomada em plena consciência: colocar a câmera em total disponibilidade para sonhar de olhos abertos, para reafirmar que a realidade parece um sonho, que a vida como ela é e como a desejamos, que tudo enfim que alcança a vista, de olhos abertos e de olhos fechados, parece um sonho.

Mas nem sempre estamos preparados para rejeitar a dualidade sujeito/objeto, para transformar
todas as etapas de realização de um filme documentário em etapas realmente criadoras, liberando a subjetividade e assimilando a invasão inesperada do real. Quando isto ocorre, antes mesmo que o espectador, o primeiro resultado quem o colhe sou eu mesmo com a ampliação de meu espaço interior imagístico”.

Deste modo, o título do filme, aqui, não apenas se refere ao tema, a Abreu e Lima, nem apenas toma
por empréstimo uma frase dele. O título traduz a sensação que toma conta do realizador diante dos fragmentos da realidade que na projeção passam com a força de coisa viva de verdade: tudo isso me parece um sonho.

Sonho, não como uma fuga da realidade mas como uma interpretação da realidade.

Sonho cinematográfico, sonho assim como todo sonho é percebido pelo sonhador – seja o sonho que cada um projeta para si mesmo ou o que no cinema se projeta para ser sonhado por outro.

Sonho assim como percebido no instante em que é sonhado: imagem viva, real, embora sem dúvida sonho com tudo aquilo que um sonho tem de imagem que mais critica que espelha a realidade - assim é um documentário.

Assim é especialmente este aqui, porque desde seu ponto de partida (como fazer um filme sobre um personagem de quem não se tem nenhuma imagem visual?) deixa a descoberto que seu assunto é tanto seu personagem quanto a realização de um filme documentário sobre tal personagem. Mais exatamente, só na medida em que percebe o filme enquanto documento sobre um filme é que o espectador pode corretamente receber o que este documentário documenta.

Assim, para falar de Abreu e Lima simultaneamente falar de cinema: trazer em fusão sobre a história que se conta os procedimentos usados para contá-la: uma segunda câmera filma a primeira que filma os depoimentos; uma entrevista conta quem foi Abreu e Lima, a seguinte como avança o processo de trabalho - parte da equipe entrevista a outra parte ou entrevista o realizador, então dentro da imagem já não mais como quem dirige o filme e sim quase como fosse dirigido por ele.

Documentação dupla, mesmo quando não se trata de informar ao mesmo tempo o tema do filme e o modo de abordá-lo. Enquanto entrevista um personagem e toma um cafezinho com ele no balcão de um bar num mercado de Caracas a câmera passeia pelo mercado e, ouvidos atentos à conversa no balcão, desvia a vista para o que se passa em volta, nos outros balcões e lojas. Enquanto passeia nas ruas de Recife onde Abreu e Lima viveu, sem desviar olhos e ouvidos do entrevistado que conta o que ocorreu outrora, a câmera apreende também - presente e passado em fusão numa mesma imagem - o que ocorre agora, no exato instante da filmagem.

É deste modo que o filme realiza sua proposta inicial de tornar visível num filme uma história e um personagem de quem não temos nenhuma (ou quase nenhuma) imagem. E, como o próprio filme sugere nas conversas sobre seu processo de construção, a solução do problema veio de modo inconsciente, foi intuída pouco a pouco, passo a passo, a partir de uma única decisão tomada em plena consciência: colocar a câmera em total disponibilidade para sonhar de olhos abertos, para reafirmar que a realidade parece um sonho, que a vida como ela é e como a desejamos, que tudo enfim que alcança a vista, de olhos abertos e de olhos fechados, parece um sonho.

Poesia na língua da esperança

por Rodrigo Fonseca

É comum o inconformismo do cinema diante de imagens sem registro histórico preciso, sem legenda ou paradeiro. Entre os exemplos, destaco uma foto da campanha militar americana no Pacífico, durante a Segunda Guerra Mundial, que inspirou Clint Eastwood a filmar dois épicos, de pontos de vista antagônicos - "A conquista da honra" e "Cartas de Iwo Jima" -, sobre o heroísmo anônimo. Da mesma forma, Milos Forman concebeu "Sombras de Goya" a partir das pinturas espanholas de mulheres cuja beleza ultrapassou o véu castrador da Inquisição. Um movimento parecido rege "Tudo isto me parece um sonho", de Geraldo Sarno. Nos primeiros planos, o espectador é apresentado a um retrato do general José Ignácio de Abreu e Lima (1794-1869), jornalista, escritor e soldado pernambucano que participou das pelejas pela independência da América espanhola. Dúvidas variadas rondam o quadro, incorporado à Galeria de Arte da Assembléia Nacional da Venezuela, em especial sua pertinência como representação de Abreu e Lima. A possível distância histórica entre signo e significado é a deixa inicial para um filme com aparência prévia de cinebiografia, que revela, pouco a pouco, ser um (cine)poema-processo. Mais do que isso, mais que filme, "Tudo isto..." é um mergulho no imaginário latino-americano à cata de sonhadores que os livros de História relegaram a notas de rodapé. E é em torno uma seqüência com pinta de nota, remissiva ao passado filosófico que embasou as grandes cruzadas emancipatórias da Pangéia hispânica do Novo Mundo que o documentário se estrutura.
Lá pelo primeiro terço de "Tudo isto me parece um sonho", o realizador baiano Geraldo Sarno e o professor pernambucano Vamireh Chacon, em meio a uma reflexão sobre as raízes históricas da ideologia de Abreu e Lima, chegam a um denominador comum: Jean-Jacques Rosseau (1712-1788). Na simples menção ao nome do autor de "O contrato social", a platéia encontra pistas para decifrar as motivações éticas e filosóficas do novo documentário do diretor de "Viramundo" (1965). Algo sugere que o debate entre o cineasta e o historiador acerca de Rosseau vá além do fato de ele ser a argamassa intelectual dos grandes guerreiros dos processos de emancipação latino-americanos no século XIX, em oposição ao culto a Montesquieu (1689-1755), outro mito da intelectualidade. A referência parece presente como uma metáfora para o esforço cinematográfico que rege a produção, ou seja, o esforço do desvelamento.
Em uma de suas cartas ao colega Voltaire (1694-1778), para discutir a causa primeira de todas as desordens da sociedade, Rosseau afirma ter descoberto que "os males dos homens lhes vem mais pelo erro do que da ignorância". Segundo o pensador, "o que nós não sabemos nos prejudica muito menos do que o que nós julgamos saber". Eis a aí a pulsão que serve de combustível a "Tudo isto me parece um sonho": desvendar os mistérios por trás de uma figura, dissecando, ao mesmo tempo, as nuanças e bastidores desse ato de desvelar a História em forma de filme. Se existe um esboço histórico que é fundamental ao entendimento da imortalização de Abreu e Lima em retrato, qual é o problema de se incorporar o esboço do documentário, ou seja, seu making of, sua preparação, ao corpo final da montagem, fazendo dele peça central do jogo de sentidos que a jornada cinematográfica de Sarno à caça do general potencializa. O trabalho de captação de som direto de Nicolas Hallet será seu principal aliado.
Qual é o lugar daquele retrato na memória dos povos cuja liberdade Abreu e Lima lutou para conseguir? Ao mesmo tempo, que espaço a memória brasileira reservou ao homem egresso do Recife que ultrapassou fronteiras de língua e geografia em torno do mesmo credo libertário que embalou Bolívar e outros heróis políticos? Do que sabe sobre o general recifense, o que é fato e o que é folclore? Com base nessas perguntas, Sarno idealiza um engenho fílmico no hibridismo da ficção e do registro documental. Ao largo da pesquisa sobre os feitos de Abreu e Lima, uma encenção, embalada nos poderes radicais da invenção, justifica aquilo que o memorialismo científico deixou passar ou não conseguiu alcançar. Afinal, se como o título sugere, "Tudo isto me parece um sonho", uma dimensão ficcional, com uma deixa para o onírico, faz-se bem-vindo, dando passagem para um ator (Wilson Mello, em uma interpretação sóbria). Em cena se vê um intérprete que encarna as (possíveis) angústias que guiaram os passos de Abreu e Lima. Nessa perspectiva, uma vez mais, Sarno retoma um processo investigativo que trança sua obra desde os primeiros filmes: a busca pela identidade. Essa busca vai se materializar tanto na radiografia dos nordestinos em diáspora para São Paulo em
"Viramundo" quanto no recorte de uma burguesia em agonia diante do imperialismo em "Coronel Delmiro Gouveia" (1977).
Em um dos primeiros diálogos com sua equipe, Sarno deixa evidente o resgate de sua busca autoral característica ao explicar que "Tudo isto me parece um sonho" não se limita a ser um filme sobre Abreu e Lima. "Estamos fazendo um filme sobre processos revolucionários. Sobre revoluções", diz o diretor. Com sutileza, Sarno deixa entender que seu longa fala das revoluções com a cara da América Latina e suas veias abertas. Em um diálogo posterior, após um encontro com o historiador venezuelano Pedro Sosa, Sarno vai questionar o fato de que existe uma tendência continental a se atribuir as transformações latino-americanas a acontecimentos externos, seja em sinal de agradecimento a forças externas, seja em reação de repúdio a politicagens estrangeiras. Onde hoje vemos o dedo dos EUA, nos tempos de Abreu e Lima via-se a Inglaterra e as seqüelas da especulação fiduciária de sua primazia no tecnicismo industrial. Mas quais são as ambições hispano-americanas no torvelinho das transformações geopolíticas globais? Quais são os ensejos e as utopias que requerem um filtro a partir de uma figura como Abreu e Lima para serem entendidos.
Se, como dizia Rosseau, o desconhecimento é menos grave do que juízos prévios, Sarno tenta fugir dele revendo e refazendo, no presente, o périplo ideológico que levou Abreu e Lima a assumir uma causa por territórios que não faziam parte (direta e efetiva) à sua terra natal, seu Recife de origem. O dispositivo "conversa", cada vez mais freqüente nas práticas processuais do documentário brasileiro a partir da Retomada, é uma ferramenta ideal no exercício quase socrático de buscar os traços residuais do personagem Abreu e Lima nas culturas pernambucana e hispano-americana. Ao abrir mão do método clássico de entrevista e deixar falar, "Tudo isto parece um sonho" ganha humanidade. O depoimento livre dá chance ao humor, à tensão, ao desacordo, à vida. Por essa trilha, o filme foge de guetos herméticos e se abre à franqueza, evitando a palavra domada, ensaiada. Em cada frase sobre a América Latina dos séculos XIX e XX, o filme desvenda uma das paletas históricas nas tintas que eternizaram Abreu e Lima pictoricamente. O próprio Sarno se inclui nessa mecânica.
No encontro com o professor Vamireh Chacon, por exemplo, Sarno vai diminuir o fosso "cenocrático" entre ele e seus entrevistados compartilhando com seu interlocutor diretor (e com o público) suas considerações mais pessoais sobre as lacunas memorais do Brasil e seus países hermanos. Uma menção ao texto do filósofo Walter Benjamin (1892-1940) acerca do quadro "Angelus novus", de Paul Klee (1879-1940), vai desnudar suas impressões acerca das desilusões trazidas pelas falências utópicas. Como não enveredar pelo tema do descrédito ideológico e da desilusão diante da causa de Abreu e Lima?
Ficcionalmente, no plano formal, "Tudo isto me parece um sonho" retoma uma tradição de filmes de época na qual "Danton, o processo da revolução" (1982), de Adrzej Wajda, é a alusão mais imediata. Apoiado na atuação de Wilson Mello, Sarno constrói uma espécie de bunker solitário onde seu Abreu e Lima se resguarda do mundo, imerso em suas memórias e uma revisão do processo de libertação da Venezuela do domínio europeu. Enquanto a parte investigativa do filme se caracteriza por uma polifonia de impressões, sua fração "encenada" é, quase que integralmente, pontuada pela solidão. Uma vez mais o "Angelus novus", de Klee, é evocado, só que, desta vez, não com palavras, e sim no olhar igualmente perplexo (e cansado) de Abreu e Lima na composição de Mello. Afinal, o ator dá ao personagem o tom de homem que busca compreender seu lugar no tempo e no espaço, assim como sua funcionalidade política (e humana) na nova América Latina que configura em sua frente.
Em um momento crítico _ talvez o mais contundente do longa _, Mello, vestido com a farda de Abreu e Lima, sai às ruas e interpela pessoas sobre quem seria aquela figura em vestes militares que virou nome de rua. Alguns o confundem com heróis do processo da emancipação republicana brasileira. Outros o definem como algum dos estadistas da ditadura militar dos anos de chumbo. Diante desse desconhecimento popular, Mello, nas franjas de um distanciamento quase brechtiano, apresenta-se e sai, fazendo a encenação de um mito esquecido. É para abafar esse esquecimento e pôr a luz uma época em que a América Latina brigou por sua identidade que o filme existe. E, no entroncamento do que é ficcionalizado e do que é documentado, Sarno acha sua poesia numa língua que está para além do espanhol e do português: a linguagem do cinema. E da esperança.